sábado, 19 de novembro de 2011

RELIGIÃO X CORPO

Porque é que a maior parte das religiões condena ou nega o corpo? Parece que aqueles que buscam a verdade espiritual consideraram sempre o corpo como um obstáculo ou mesmo como um pecado. Porque é que tão poucos daqueles que buscam verdadeiramente encontram? 

Ao nível do corpo, os seres humanos estão muito próximo dos animais. Partilhamos com eles todas as funções fisiológicas básicas – sentir prazer e dor, respirar, comer, beber, defecar, dormir, o impulso para procurar um(a) companheiro(a) e procriar e, evidentemente, nascer e morrer. Muito tempo depois de terem caído de um estado de graça e de unicidade para um estado de ilusão, os seres humanos acordaram repentinamente dentro daquilo que lhes parecia ser um corpo animal – e eles acharam isso muito perturbador. "Não te iludas. Não passas de um animal." 

Parecia ser essa a verdade com que se defrontavam. Mas era uma verdade muito perturbadora, intolerável até. Adão e Eva viram que estavam nus e tiveram medo. A recusa inconsciente da sua natureza animal depressa se instalou. A ameaça de que poderiam ser dominados por poderosos impulsos instintivos e voltar de novo a uma inconsciência total era na verdade muito real. A vergonha e os tabus apareceram em volta de determinadas partes do corpo e de funções corporais, especialmente a da sexualidade. A luz da sua consciência não era ainda suficientemente forte para eles travarem amizade com a sua natureza animal, para a aceitarem e sentirem prazer nesse aspecto de si próprios – quanto mais irem mais longe e encontrarem o divino oculto na sexualidade, a realidade dentro da ilusão. Portanto, fizeram o que tinham de fazer. Começaram a dissociar-se do corpo. Passaram a sentir que tinham e não que eram um corpo.

Quando as religiões apareceram, essa dissociação tornou-se ainda mais forte, sob a forma da crença de que nós não somos o nosso corpo. Ao longo dos séculos, inúmeras pessoas, tanto no Oriente como no Ocidente, tentaram encontrar Deus, a salvação ou a iluminação através da rejeição do corpo. O que tomou a forma da recusa dos prazeres sensuais ou da sexualidade em particular, de jejuns e de outras práticas ascéticas. Chegaram a infligir dor ao corpo numa tentativa de o enfraquecerem ou castigarem porque o consideravam pecador. No cristianismo, chamava-se a isso mortificação da carne. Outros tentavam escapar do corpo entrando em estados de transe ou procurando experiências extra-sensoriais. Ainda hoje há muitos que o fazem. Diz-se que o próprio Buda praticou, durante seis anos, a rejeição do corpo através de jejuns e de formas extremas de ascetismo, mas ele só alcançou a iluminação depois de ter desistido de tais práticas.

O fato é que nunca ninguém atingiu a iluminação através da rejeição do corpo, nem da resistência ao corpo, nem de alguma experiência extra-sensorial. Embora tal experiência possa ser fascinante e possa dar um vislumbre do estado de libertação da forma material, no final de contas você terá sempre de voltar ao corpo, onde o trabalho essencial de transformação tem lugar. A transformação é através do corpo, não fora dele. É por isso que nunca nenhum mestre aconselhou que se lutasse contra o corpo ou que se o abandonasse, embora os seus seguidores, pelo menos os que se identificavam com a mente, o tenham feito muitas vezes.

Dos antigos ensinamentos relacionados com o corpo, só sobrevivem hoje alguns fragmentos, tal como a afirmação de Jesus de que "todo o teu corpo ficará cheio de luz", ou então chegam até nós como mitos, como a crença de que Jesus nunca abandonou o seu corpo, mas permaneceu uno com ele e subiu ao "céu" com ele

Até hoje, quase ninguém compreendeu esses fragmentos ou o significado oculto de certos mitos, e a crença de que nós não somos o corpo prevaleceu universalmente, levando à rejeição do corpo e a tentativas de escapar do corpo. Muitas das pessoas que buscavam a verdade espiritual foram assim impedidas de a encontrar e de alcançar a realização espiritual.

É possível recuperar os ensinamentos perdidos sobre o significado do corpo ou reconstruí-los a partir dos fragmentos existentes?

Não há necessidade disso. Todos os ensinamentos espirituais têm origem na mesma Fonte. Nesse sentido, há e sempre houve um único mestre, que se manifesta de muitas formas diferentes. Eu sou esse mestre, mas você também o será, assim que for capaz de aceder à Fonte interior.


The Power of Now A Guide to Spiritual Enlightenment New World Library, California, USA copyright © 1999 by Eckhart Tolle



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